NOMES QUE CONTAM HISTÓRIAS: A TOPONÍMIA COMO MEMÓRIA

Autoria: Yasmin Czarnecki, graduanda em Letras (4º semestre, 2024.2) – UFGD.

Nomes de lugares que contam histórias

Você sabia que cada nome de lugar pode contar histórias de migrações, conflitos ou prestar homenagens a pessoas ou povos? Já parou para pensar que os nomes das cidades, dos estados, das ruas, dos bairros, dos rios e de outros elementos geográficos são muito mais do que simples denominações? Os nomes próprios geográficos são registros vivos do passado, como mostram vários pesquisadores do tema, como a professora Marilze Tavares, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

A Toponímia ou Toponomástica, ramo da Onomástica, se ocupa do estudo dos nomes próprios de lugares, enquanto signos linguísticos, e pode desempenhar um papel importante na compreensão da história, da cultura, do modo de vida de grupos humanos de uma região. Por isso, nomes de lugares não são apenas denominações, mas testemunhos vivos do passado e, com frequência, carregados de significado e simbolismo. Topônimos podem revelar aspectos relativos a migrações, a conflitos ocorridos em dada região, podem também ser homenagens ou heranças de diferentes povos. Nesse sentido, podemos afirmar que quando investigamos a motivação dos nomes de lugares, é possível descobrir histórias ocultas nas palavras enriquecidas da função toponímica.

Fonte: Imagem gerada pela Meta.IA

A escolha de um nome para um lugar ou um elemento geográfico raramente é aleatória, ou seja, diversos fatores físicos ou antropoculturais, podem influenciar essa decisão, desde características geográficas e/ou ambientais até eventos históricos, figuras importantes, crenças religiosas.

Dentre os objetivos da Toponímia, está o de elucidar as motivações por trás dos nomes, explicando, por exemplo, por que um nome foi escolhido. Assim, o processo investigativo exige uma análise cuidadosa do contexto histórico, social e cultural em que o nome surgiu, além da identificação de possíveis causas denominativas, ou seja, dos possíveis motivos que levaram à escolha do nome.

O interesse por nomes próprios de lugares é muito antigo, mas a Toponímia, como corpo disciplinar sistematizado, surgiu na França, por volta de 1878, a partir da iniciativa de Auguste Longnon, que ministrou cursos sobre o tema em algumas instituições francesas. Já no Brasil, as pesquisas toponímicas ganham impulso com os trabalhos de Maria Vicentina do Amaral Dick (USP) a partir de 1980. Essa importante pesquisadora elaborou um modelo de classificação que divide os topônimos, quanto a sua motivação, em 27 categorias. Conforme o modelo, os nomes próprios são organizados em dois grandes grupos: motivações de natureza física (aqueles inspirados, por exemplo, em aspectos da vegetação, da fauna, dos cursos d’água) e motivações de natureza antropocultural (como nomes de pessoas, eventos históricos, crenças religiosas entre outros). Essa classificação ajuda a entender a influência de diferentes fatores na nomeação dos lugares, ainda que seja apenas um dos procedimentos da pesquisa toponímica.

Diferentes recortes podem ser tomados para uma pesquisa toponímica. Ao analisarmos, por exemplo, os nomes dos estados brasileiros, é possível verificar como os aspectos físicos e a diversidade cultural estão refletidos nesse recorte. Isso pode ser verificado tanto em relação à motivação quanto à origem linguística dos topônimos. Em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, encontram-se aspectos do ambiente físico, enquanto em Rondônia, São Paulo e Santa Catarina, aspectos antropoculturais. Em seu artigo “Os Nomes dos Estados Brasileiros: Motivação Toponímica”, as professoras Marilze Tavares e Anna Carolina Chierotti utilizam o modelo taxonômico de Dick como parâmetro para a pesquisa. Dentre os resultados está o fato de que os nomes revelam uma grande presença de hidrotopônimos (relacionados a cursos d’água); as autoras ainda destacam a forte influência das línguas indígenas, especialmente Tupi, evidenciando a riqueza da toponímia brasileira.

Estudos mais pontuais podem trazer à tona também outras questões como a desigualdade de gênero na toponímia urbana em que a homenagem a pessoa está entre as principais motivações para escolha dos nomes. Artigo escrito pela professora Marilze e pela professora Denise Velasco mostra que poucos nomes de ruas homenageiam mulheres. E, quando o fazem, geralmente é para celebrar papéis tradicionalmente femininos, como mães, professoras e enfermeiras. Isso reflete uma invisibilidade da atuação feminina em áreas como política e ciência. Os resultados mostram também de ausência de homenagem a mulheres indígenas na toponímia, mesmo em regiões onde a população indígena é significativa, como em Dourados, uma das cidades com maiores concentrações dessa população no Brasil.

Fonte: https://www.douradosnews.com.br/dourados/em-ms-maioria-das-ruas-tem-nome-de-santo-ede-doutor/1236239/

Além disso, as pesquisas da professora Marilze sobre a nomenclatura de ruas em Dourados, incluindo a influência da Guerra do Paraguai e a sub-representação feminina, ressaltam a junção entre gênero, espaço público e memória histórica.

A participação da professora em projetos como o ATEMS (Atlas Toponímico do Estado de Mato Grosso do Sul) e DTMS (Dicionário de Topônimos de Mato Grosso do Sul) mostra seu compromisso em aumentar o conhecimento sobre os nomes de lugares do estado, tornando isso acessível a mais pessoas. A abordagem, que é interdisciplinar, combina Linguística, História e Geografia, o que ajuda a compreender melhor como os lugares são nomeados e enriquece a compreensão da toponímia brasileira. Os dois projetos são iniciativas importantes para a preservação e divulgação do conhecimento sobre a toponímia do MS. Reúnem informações sobre a origem e a evolução dos nomes de lugares, tornando possível uma visão abrangente das influências culturais, históricas e geográficas que moldaram a nomenclatura geográfica do estado.

Tanto o ATEMS quanto o DTMS são projetos interinstitucionais e contam com a participação de professores de diferentes universidade – Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). As pesquisas vinculadas a esses projetos não apenas documentam e organizam a toponímia do estado, mas também servem como subsídios para materiais didáticos, permitindo que estudantes e educadores se conectem com a história local de uma maneira mais significativa. Ao valorizar as influências indígenas e refletir sobre questões de representatividade nos espaços públicos, por exemplo, as pesquisas também levantam debates essenciais para uma sociedade mais inclusiva.

A professora Marilze Tavares revela, em seus artigos, diversas reflexões sobre o estudo da motivação por trás dos nomes de lugares. A partir daí compreendemos que a toponímia não é apenas uma chave para o passado, mas também uma ferramenta importante para desvendar as conexões entre cultura, história e linguagem. Ao mergulharmos na análise dos nomes dos lugares, somos convidados a reconstituir as estruturas sociais e os valores que moldaram nossa sociedade.

Quer descobrir mais sobre como os nomes de lugares podem contar histórias escondidas? Mergulhe nesse fascinante universo e explore as camadas de significado que muitas vezes passam despercebidas. A próxima vez que você mencionar ou pensar em um nome de cidade, rio, rua ou bairro, lembre-se: cada nome carrega uma história. Conheça mais sobre o tema acessando o site do Projeto ATEMS (https://atems-biblioteca.ufms.br/), o site do Observatório Onomástico (https://www.letras.ufmg.br/o-onoma/) e os textos indicados nas referências!

REFERÊNCIAS

ANANIAS, A. C. C. dos S.; TAVARES, M. Pesquisas em toponímia no Brasil: trabalhos produzidos na pós-graduação stricto sensu. Acta Scientiarum. Language and Culture, 44(1), e53282, 2022. Disponível em: https://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciLangCult/article/view/53282. Acesso em: 24 fev. 2025.

OLIVEIRA, T. M. História do Brasil na toponímia de ruas de Dourados – MS. Revista Contemporânea, v. 3, n. 10, p. 16731-16751, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.56083/RCV3N10-010. Acesso em: 11 nov. 2024.

TAVARES, M.; VELASCO, D. de O. B. Nomes de mulheres na toponímia urbana de Dourados – MS. Web Revista Sociodialeto, v. 10, n. 30, p. 315-328, 2020. Disponível em: https://periodicosonline.uems.br/index.php/sociodialeto/article/view/8010. Acesso em: 11 nov. 2024

TAVARES, M.; ANANIAS, A. C. C. dos S. Os nomes dos estados brasileiros: Motivação toponímica. Web Revista Sociodialeto, v. 14, n. 40, p. 1-26, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.61389/sociodialeto.v14i40.8125. Acesso em: 11 nov. 2024

CASTIGLIONI, A. C. Dicionário enciclopédico de topônimos do estado de Mato Grosso do Sul: uma proposta de modelo. 2014. 233 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto, 2014.