Desvendando os mistérios da linguagem no PPG-Letras: a Linguística Aplicada em ação

Autoria: Manuel Salvador Colina Lovera, graduando em Letras (4º semestre, 2024.2) – UFGD

Linguística Aplicada: Uma aventura para desvendar os segredos da linguagem em ação!

Você já se perguntou se uma área de pesquisa acadêmica poderia abordar os problemas relacionados à linguagem sob diferentes perspectivas, integrando teorias de outras áreas do conhecimento? A resposta a essa pergunta, seguramente, pode ser bem curiosa!

A linguagem é muito mais do que um conjunto de palavras. Ela é uma força poderosa que molda nossa realidade. As palavras que usamos, os gestos que fazemos e as imagens que vemos constroem o mundo ao nosso redor, influenciando nossas relações, nossas crenças e nossas identidades.

Pense, por exemplo, como discursos racistas, perpetuados por séculos, ainda circulam em diferentes contextos, como nas redes sociais e na escola, promovendo estereótipos e relações de poder. Dessa forma, para entender a complexidade da linguagem e suas implicações, nesses contextos, precisamos de uma abordagem interdisciplinar, que leve em conta diferentes perspectivas e teorias de áreas como Antropologia, Sociologia, Filosofia, Estudos Culturais e Educação.

É nesse contexto que surge a Linguística Aplicada (LA), uma área de pesquisa que investiga a linguagem em suas diversas manifestações, buscando compreender como construímos o mundo e como podemos transformá-lo. Assim, essa área não se limita a estudar a gramática ou a estrutura das línguas. Ela vai muito além, investigando como a linguagem não somente é usada em escolas e redes sociais, como dito anteriormente, mas também na política e nas relações entre as pessoas, na vida cotidiana e em diferentes cenarios. O diferencial é que a LA brasileira tem um papel fundamental nesse movimento, pois busca sempre se conectar com as realidades e desafios do nosso país.

Imagine a LA como uma grande caixa de ferramentas, repleta de instrumentos que nos permitem analisar as mais diversas situações de comunicação e entender como a linguagem, em suas variadas formas, vai edificando o mundo ao nosso redor. A LA está presente em diversos contextos, seja na sala de aula, desvendando os processos de aprendizagem de línguas e construindo práticas de ensino mais eficazes e inclusivas, ou nas redes sociais, investigando a construção de identidades online e o impacto das novas tecnologias na comunicação.

Na política, a LA nos ajuda a entender como a linguagem é utilizada para persuadir, manipular e construir poder. Na sociologia, nos mostra como usá-la para promover a justiça social e os relacionamentos interpessoais. A LA examina como a linguagem constrói e expressa relações de afeto e conflito e como nos comunicar de forma mais eficaz, respeitosa e empática. Assim, essa corrente linguística, com suas ferramentas de análise, nos permite compreender a complexidade da linguagem e seu papel na construção de uma sociedade mais justa.

A história da LA no Brasil: Uma luta por reconhecimento e engajamento

A partir da década de 1990, a LA brasileira ganhou força e relevância, culminando na criação da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB), um marco que simbolizou a consolidação da área no país. Porém, essa conquista não veio fácil! Ela foi permeada por desafios e resistências por parte daqueles que viam a LA como mera “aplicação”das teorias linguísticas tradicionais, sem identidade própria.

No entanto, pesquisadores como Marilda Cavalcanti, uma das pioneiras da LA no Brasil, defenderam a importância de se olhar para os usos reais da linguagem em sua complexidade e diversidade, considerando os contextos sociais em que ocorrem e buscando diálogo com outras áreas de conhecimento.

Essa visão inovadora, que rejeita a ideia de uma LA “auxiliar da linguística tradicional”, impulsionou o desenvolvimento de novas espistemologias do conhecimento no país, abrindo caminho para pesquisas engajadas com as questões sociais e com a busca por uma sociedade mais igualitária.

Decolonialidade: Repensando o saber a partir das “Vozes do Sul”

Um dos desafios contemporâneos da LA brasileira é a busca constante de novas formas de entender e usar a linguagem para enfrentar os problemas do mundo atual. Essas novas formas de pensar são chamadas de epistemologias, já mencionadas anteriormente, que, de forma simplificada, podemos entender como um “óculos” que usamos para enxergar e interpretar o mundo. As epistemologias decoloniais são um exemplo disso, pois nos convidam a questionar a visão europeia sobre o restante do mundo, ou seja, enxergar os fatos por meio de outros ângulos.

A decolonialidade nos leva a questionar o conhecimento propagado durante séculos e oriundo de uma visão tradicional predominante, para valorizar as “vozes do Sul”, que representam as diversas formas de conhecer e interpretar a realidade da América Latina, da África e da Ásia e outros lugares historicamente marginalizados.
Investigar as “vozes do Sul” significa analisar como a linguagem pode ser usada para combater desigualdades e promover a justiça social, questionando as estruturas de poder que silenciam as vozes diferentes, buscando formas de valorizar as criações autênticas das culturas divergentes da tradição eurocêntrica.

Entextualizações criativas: Jovens da periferia desafiando o racismo

A professora Doutora Thayse Figueira Guimarães, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), tem se destacado por suas pesquisas inovadoras sobre diversas práticas linguísticas que combinam teorias e metodolgias interdicisplinares, caracteristica prórpia da LA. Entre algumas delas se econtram as que focalizam um jovens da periferia brasileira. Em um de seus trabalhos, realizado em colaboração com o professor Luiz Paulo da Moita-Lopes, Guimarães investigou como um jovem negro e gay, chamado Luan, usa a linguagem de forma criativa para enfrentar o racismo em diferentes contextos.

O estudo revelou que Luan se apropria de discursos e recursos linguísticos de maneira estratégica, construindo novos sentidos e desafiando as ideias preconceituosas que tentam defini-lo. Guimarães e Moita-Lopes chamam esse processo de “entextualizações criativas”. Um exemplo é a forma como Luan usa o Twitter para se apresentar de maneira irônica e subverter estereótipos. Ele se descreve como “rico, bonito, ex-big brother, modelo internacional”, ironizando a cultura de celebridade e os padrões de beleza impostos pela sociedade.

Dessa forma, ele afirma sua identidade negra com orgulho, respondendo a comentários racistas com humor e inteligência. Na escola, Luan também usa a linguagem para questionar as normas e os discursos dominantes. Ele apresenta aos seus colegas a voz de uma mulher trans, Lohana, que desafia os padrões de gênero e sexualidade, abrindo espaço para o debate e a desconstrução de preconceitos.

Performances identitárias: Entre a escola e as redes sociais

Em outro estudo, Guimarães aprofundou a análise das “performances identitárias” de Luan, ou seja, como ele se apresenta e constrói sua identidade em diferentes contextos. A pesquisa mostrou que Luan transita entre a escola e as redes sociais, adaptando suas performances ou desenvolvimento do seu comportamento aos diferentes espaços e às expectativas de cada um.

Na escola, Luan precisa lidar com as normas e os discursos institucionais que muitas vezes tentam silenciar as “vozes diferentes”. Já nas redes sociais, ele tem mais liberdade para se expressar e construir sua identidade de forma mais autêntica. No entanto, mesmo nas redes sociais, Luan enfrenta o racismo, como demonstra a interação com Moreira, um colega de classe que o questiona sobre suas fotos em preto e branco no Twitter.

A pesquisa da professora Thayse, nos ajuda a entender como a linguagem é usada para construir e negociar identidades em um mundo cada vez mais conectado. Ela nos mostra que jovens, como Luan, usam a criatividade e a inteligência para desafiar as normas e os preconceitos, abrindo caminho para uma sociedade mais justa e igualitária.

A Linguística Aplicada em ação: Um olhar para o futuro

As pesquisas da professora Thayse Figueira Guimarães demonstram o potencial da LA para analisar as práticas linguísticas em sua complexidade, considerando as relações de poder, as identidades em jogo e os contextos socioculturais em que os discursos circulam. Seus trabalhos, assim como os de outros linguistas aplicados brasileiros, nos convidam a prestar atenção na linguagem que nos cerca, a questionar os discursos dominantes e a usar a criatividade para construir um mundo mais justo e igualitário.

A LA brasileira, tanto na Universidade Federal da Grande Dourados, quanto no resto do pais, enfrenta o desafio de construir uma agenda de pesquisa que dialogue com as demandas do mundo contemporâneo e que promova a transformação social. A decolonialidade se apresenta como um caminho promissor para a área, incentivando a revisão crítica das teorias e métodos de pesquisa e a busca por alternativas aos discursos hegemônicos.

E você, caro leitor, quer se juntar a esse grupo de pesquisas interdisciplinares, assim como a professora Thayse Guimarães? Explore mais sobre o tema nos artigos referenciados a seguir. Boa leitura!

REFERÊNCIAS

GUIMARAES, Thayse Figueira. Performances identitárias em trajetorias textuais na escola e nas redes sociais virtuais: uma observação multissituada. Revista Indisciplina em Linguística Aplicada – RILA, v. 1, p. 1, 2020. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/rila/article/view/27218>. Acesso em: 26 mar. 2025.

GUIMARÃES, Thayse Figueira; MOITA-LOPES, Luiz Paulo. Entextualizações criativas de discursos sobre raça em práticas discursivas multissituadas na periferia brasileira. Raído, v. 14, p. 400-421, 2020. Disponível em: <https://ojs.ufgd.edu.br/Raido/article/view/13242>. Acesso em: 26 mar. 2025.

GUIMARÃES, Thayse Figueira; SZUNDY, Paula Tatianne Carréra . Entrevista com Marilda do Couto Cavalcanti. Raído, v. 14, p. 465-471, 2020. Disponível em: <https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/13241>. Acesso em: 26 mar. 2025.

GUIMARÃES, Thayse Figueira; ZOLIN-VESZ, Fernando. Práticas linguísticas e construção de (des) colonialidades na contemporaneidade. Raído, v. 13, n. 33, p. 7-9, 2019. Disoponível em: <https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/10822>. Acesso em: 26 mar. 2025.

SZUNDY, Paula Tatianne Carréra ; GUIMARÃES, Thayse Figueira . 30 anos da ALAB: desafios, rupturas e possibilidades de pesquisa em Linguística Aplicada. Raído, v. 14, p. 9-15, 2020. Disponível em: <https://ojs.ufgd.edu.br/Raido/article/view/13240>. Acesso em: 26 mar. 2025.